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segunda-feira, 24 de outubro de 2011

ESTABILIZAÇÃO DE SERVIDORES TEMPORÁRIOS

No dia 21 de outubro de 2011, o Jornal A Crítica noticiou que o Tribunal de Contas do Estado do Amazonas (TCE-AM) deve decidir na próxima semana o recurso de professores temporário da Universidade do Estado do Amazonas (UEA) que pretendem ser efetivados em seus cargos por possuírem mais de cinco anos de serviços prestados à Universidade.

A pretensão dos professores temporários da UEA traz de volta o tema da estabilização de servidores sem concurso público, prática conhecida na linguagem jornalística como trem da alegria.

O artigo 37, inciso II, da Constituição Brasileira (CB), e o artigo 109, inciso II, da Constituição Amazonense (CA), estabelecem, como regra, que a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei.

As duas únicas exceções constitucionais à regra do concurso público são: 1) as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração (artigo 37, II, CB e artigo 109, II, CA) e 2) as contratações por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público (artigo 37, IX, CB e artigo 108, §1º, CA).

Com base nessas diferenças quanto à forma de ingresso no serviço público, ambas Constituições trataram de estabelecer diferenças quanto ao regime jurídico aplicável a cada tipo de servidor. Em razão da amplitude do tema, tratarei apenas do direito à estabilidade, por considerá-lo de fundamental importância para a compreensão e guardar estreita relação com o assunto tratado nesse post.

O artigo 41, caput, da Constituição Brasileira, e o artigo 112, caput, da Constituição Amazonense, dispõem que são estáveis após três anos de efetivo exercício os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público. Contudo, os três anos de efetivo exercício não bastam para aquisição da estabilidade. A estabilidade também está condicionada à avaliação especial de desempenho por comissão instituída para essa finalidade (artigo 41, §4º, CB e artigo 112, §4º, CA).

Aqui, cabe diferenciar os conceitos de efetividade e estabilidade, por ser costumeiro o emprego incorreto dessas duas expressões. Fala-se usualmente que ao adquirir estabilidade o servidor é efetivado. Entretanto, as expressões efetivado ou efetivação são empregados no sentido vulgar para indicar a permanência ou estabilização do servidor nos quadros da administração pública.

A efetividade é atributo do cargo e não do servidor que o ocupa e refere-se a sua forma de provimento dependente de concurso público. Ao mesmo tempo, é uma das condições para que o servidor adquira a estabilidade. Portanto, se um servidor ocupa um cargo efetivo, passa a ter efetividade. Se, por alguma razão, assume um cargo em comissão, deixa de tê-la.

A estabilidade é o direito de permanecer no serviço público assegurado ao servidor nomeado para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público que preencha os requisitos de: 1) três anos de efetivo exercício e 2) avaliação especial de desempenho por comissão instituída para esse finalidade.

Todavia, a Constituição Brasileira, no artigo 19 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), conferiu, excepcionalmente, estabilidade, aos servidores públicos civis da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, da administração direta, autárquica e das fundações públicas que não tenham sido admitidos por concurso público e estavam em exercício na data da promulgação da Constituição há pelo menos cinco anos continuados.

Importante destacar que o artigo 19 do ADCT conferiu apenas a estabilidade a esses servidores. A efetividade, por força da Constituição Brasileira, continua sendo exclusiva dos ocupantes de cargos efetivos aprovados em concurso público.

Esse tipo de estabilidade, por ser excepcional, não admite ampliações para contemplar hipóteses não previstas originariamente na Constituição, conforme decidiu o Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento da  ADI 289-CE e da ADI 125-SC.

Embora não fundamentem o seu pedido de estabilidade nesse dispositivo constitucional, o tratamento almejado pelos servidores temporário é, na verdade, exatamente o mesmo do artigo 19 do ADCT, isto é, alcançar a estabilidade sem passar pelo crivo do concurso público.

No caso dos servidores temporários, o pleito funda-se no abuso contumaz na renovação dos contratos temporários totalizando período superior a cinco anos e no princípio da segurança jurídica, que permite a convalidação pela administração pública, em casos excepcionais e para resguardar o interesse público, de atos considerados irregulares na sua origem. No Estado do Amazonas, há inclusive o precedente da Lei Estadual nº 2.624, de 22 de dezembro de 2000.

Embora a pretensão esteja fundada em valores da mais alta relevância, estes não autorizam a afronta ao artigo 37, II, da Constituição Brasileira, ao artigo 109, II, da Constituição Amazonense, e aos princípios da legalidade, igualdade, impessoalidade e moralidade, consubstanciando verdadeiro escapismo à exigência constitucional do concurso público.

Ademais, vale ressaltar que a ministra Carmén Lúcia, do STF, em obra doutrinária (ROCHA, Carmén Lúcia Antunes. Princípios Constitucionais dos Servidores Públicos. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 143), cunhou o princípio da acessibilidade aos cargos públicos.

Na ordem constitucional brasileira, esse princípio funda-se em alguns princípios fundamentais informadores da organização do Poder Público no Estado Democrático de Direito, tais como: a) princípio democrático de participação política, que impõe a participação plural e universal dos cidadãos na estrutura do Poder Público, na qualidade de servidores públicos; b) princípio republicano, que exige a participação efetiva do cidadão na gestão da coisa pública e c) princípio da igualdade, que impõe a igualdade de oportunidades no acesso ao serviço público.

Nesses termos, a acessibilidade aos cargos públicos constitui um direito fundamental expressivo da cidadania, a ser viabilizado por meio do concurso público. Assim, ao conferir estabilidade para servidores temporários, não se está apenas tornando ineficaz a exigência constitucional do concurso público, também se está tolhendo o exercício de uma prerrogativa fundamental da cidadania.

Com base nesses fundamentos, o direito à estabilidade vem sendo sistematicamente negado aos servidores temporários, tanto pelo STF quanto pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), conforme demonstram os precedentes já citados e também os seguintes: RE 316.879/SP, RMS 29.462/PA e AgRg no RMS 24.943/MG.

RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. FUNÇÃO PRECÁRIA NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. CONTRATO POR TEMPO DETERMINADO CELEBRADO SOB A ÉGIDE DA CONSTITUIÇÃO DE 1988. ART. 37, IX, DA CF/88. ESTABILIDADE EXCEPCIONAL. ART. 19, ADCT. NÃO APLICAÇÃO. INCIDÊNCIA DO REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL. ART. 40, § 13, CF/88. RECURSO DESPROVIDO.
I - As contratações por tempo determinado celebradas pela Administração quando já vigente a Constituição da República de 1988 têm caráter precário e submetem-se à regra do art. 37, IX, da Carta Política.
II - In casu, a recorrente celebrou contrato administrativo para a função de professora, por tempo determinado, em 02/06/93, solicitando, por outro lado, a dispensa expressa na função de agente administrativo, antes exercida.
III - Não é possível, diante da atual sistemática constitucional, estender a novos contratos temporários celebrados pelos administrados, a estabilização excepcional prevista no art. 19 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que se restringe a situações especiais, ocorridas antes da entrada em vigor da CF/88.
IV - O regime próprio de previdência é aplicável apenas aos servidores ocupantes de cargos efetivos. Ao servidor contratado por prazo determinado aplica-se o regime geral da previdência social, nos termos do art. 40, § 13, da Constituição .
Recurso ordinário desprovido.
(RMS 29462/PA, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 20/08/2009, DJe 14/09/2009)


ADMINISTRATIVO. SERVIDOR DESIGNADO A TÍTULO PRECÁRIO. DISPENSA.
LEGALIDADE. ESTABILIDADE NO SERVIÇO PÚBLICO. NÃO OCORRÊNCIA.
1. A dispensa ad nutum de servidor designado a título precário não importa em ilegalidade e independe de procedimento administrativo.
2. O fato de ter exercido precariamente o serviço público por muitos anos não confere ao servidor o direito à estabilidade, por ausência de previsão legal.
3. Agravo regimental não provido.
(AgRg no RMS 24943/MG, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 16/12/2008, DJe 02/03/2009)


  

Thiago Rabelo Maia
Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Advogado e Analista Municipal de Direito da Prefeitura de Manaus