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terça-feira, 17 de maio de 2011

APLICAÇÃO DA LEI COMPLEMENTAR Nº 135/2010 (LEI DA FICHA LIMPA) A FATOS ANTERIORES A SUA VIGÊNCIA

A questão da retroatividade da Lei Complementar nº 135/2010 atualmente é objeto das ações declaratórias de constitucionalidade nº 29 e 30, ambas sob a relatoria do ministro Luiz Fux.

Essas ações foram ajuizadas pelo Partido Popular Socialista (PPS) e pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB) e pretendem ver reconhecida a aplicabilidade da LC nº 135/2010 a fatos anteriores a sua edição, sem causar prejuízo ao princípio da irretroatividade das leis e da segurança jurídica.

Os argumentos apresentados são semelhantes aos utilizados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para responder a Consulta nº 114.709/DF, relatada pelo ministro Arnaldo Versiani, na qual restou assentado que as novas causas de inelegibilidade trazidas pela LC nº 135/2010 produziriam seus efeitos mesmo em relação às condenações proferidas antes de sua publicação.

Contudo, após a decisão do Supremo Tribunal Federal pela inaplicabilidade da LC nº 135/2010 às Eleições de 2010, entendem os arguentes que remanesce a controvérsia sobre a possibilidade ou não de atribuir efeitos a fatos passados para tornar o cidadão inelegível.

A controvérsia judicial relevante reside na divergência de entendimento entre os diversos Tribunais Regionais a respeito da matéria, não obstante as manifestações do TSE em sede de consulta e no julgamento de casos concretos.

No julgamento do Recurso Ordinário nº 60.283/TO, o TSE considerou aplicável ao candidato Marcelo Miranda, condenado definitivamente em 12 de agosto de 2009 por abuso de poder político durante o exercício do mandato, as inelegibilidades previstas no artigo 1º, inciso I, alíneas d e h da Lei Complementar nº 64/90 com a redação dada pela LC nº 135/2010.

Ao responder a Consulta nº 114.709/DF, o TSE entendeu, por maioria, que a Lei da Ficha Limpa (LFL) se aplica aos processos em tramitação iniciados, ou mesmo já encerrados, antes de sua entrada em vigor, nos quais tenha sido imposta qualquer condenação a que se refere à nova lei.

Segundo o Tribunal, essa incidência não implica retroatividade da norma eleitoral, mas de aplicação aos pedidos de registro de candidatura futuros, posteriores à entrada em vigor, não havendo de se cogitar de qualquer agravamento, pois a causa de inelegibilidade incide sobre o candidato no momento do registro da candidatura.

Entretanto, o Tribunal Regional de Sergipe firmou posição no sentido de que a aplicação da LFL a fatos anteriores a sua vigência constitui ofensa aos princípios da irretroatividade da lei mais gravosa e da segurança jurídica.

A defesa da retroatividade parte da premissa de que o próprio artigo 14, §9º, da Constituição, determina que a lei complementar, ao estabelecer novas causas de inelegibilidade, deve observar a vida pregressa do candidato.

Portanto, as novas hipóteses de inelegibilidade criadas pela LC nº 135/2010 devem necessariamente considerar fatos passados.

Dessa forma, a interpretação que afasta a aplicação a fatos ocorridos a partir de sua entrada em vigor e desconsidera os acontecimentos anteriores restringe não somente a eficácia da LC nº 135/2010, mas do próprio dispositivo constitucional.

Por outro lado, a corrente minoritária do TSE, formada pelos ministros Marco Aurélio e Marcelo Ribeiro, e juristas como Thales Tácito Cerqueira, entendem que eventual interpretação retroativa dada à LC nº 135/2010 viola o princípio da segurança jurídica, além de ofender a garantia da coisa julgada e o devido processo legal.

As preocupações levantadas pela minoria refletem a preocupação com o precedente firmado pelo TSE no julgamento no julgamento do Recurso Ordinário nº 60.283/TO, interposto pelo então candidato Marcelo Miranda.

Ao considerar aplicável ao candidato, condenado definitivamente em 12 de agosto de 2009 por abuso de poder político, as inelegibilidades do artigo 1º, inciso I, alíneas d e h da Lei Complementar nº 64/90, com a redação dada pela Lei Complementar nº 135/2010, ou seja, com sanção de inelegibilidade de oito anos, o Tribunal desconsiderou que à época do trânsito em julgado da condenação, a sanção de inelegibilidade para o abuso de poder era limitada em três anos.

Tal entendimento vulnera os princípios da segurança jurídica, do devido processo legal, da irretroatividade das leis e a garantia da coisa julgada de tal forma, que Thales Tácito sustenta que essa interpretação faz surgir o chamado Direito Eleitoral do Inimigo, por negar o exercício da cidadania aos políticos, retirando-lhes várias garantias constitucionais.

Assim, como forma de salvaguardar esse conjunto de princípios e garantias constitucionais, todos considerados cláusulas pétreas, não haveria como aplicar a LFL aos feitos iniciados antes de sua entrada em vigor.

Essas são, em síntese, as principais teses jurídicas a serem apreciadas pelo STF no julgamento das ações declaratórias de constitucionalidade nº 29 e 30, que pretendem ver reconhecida a adequação constitucional da aplicação da LC nº 135/2010 a fatos anteriores a sua edição.



THIAGO RABELO MAIA
Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Amazonas - UFAM, Advogado e Analista Municipal de Direito da Prefeitura de Manaus

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