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segunda-feira, 9 de maio de 2011

ENSINO RELIGIOSO NAS ESCOLAS PÚBLICAS E LAICIDADE ESTATAL

O artigo 210, §1º, da Constituição, estabelece que o ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental.

Assim, por expressa disposição constitucional, é permitido o ensino religioso nas escolas públicas de ensino fundamental.

Contudo, resta claro que o ensino religioso lecionado nas escolas públicas deve harmonizar-se com as demais normas constitucionais que asseguram a liberdade de crença e a separação entre Estado e Igreja.

Conforme anota José Afonso da Silva, a liberdade de crença compreende as liberdades de: a) escolha da religião; b) aderir a qualquer crença religiosa; c) mudar de religião; d) não aderir à religião alguma; e) descrença; f) ser ateu e g) exprimir o agnosticismo.

Por conta disso, ao regulamentar o artigo 210, §1º, da Constituição, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) dispôs, em seu artigo 33, caput, que o ensino religioso deverá assegurar o respeito à diversidade cultural e religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo.

A cláusula de separação entre Estado e Igreja, prevista no artigo 19, inciso I, da Constituição, veda aos entes federativos estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público.

Ao prever a separação entre Estado e Igreja, a Constituição optou claramente por um modelo laico de Estado.

Nesse modelo, as crenças religiosas não possuem qualquer ingerência nos assuntos político-administrativos do Estado e ao Estado é vedado interferir na organização e no funcionamento das religiões.

Laico é um Estado que não impõe nenhuma religião, mas que respeita a todas, mantendo-se imparcial diante de cada uma delas.

Essa imparcialidade não significa desconhecer o valor de uma confissão religiosa, mas de uma postura a ser assumida pelo Estado em respeito à liberdade de crença e consciência dos cidadãos, de modo a garantir o pluralismo religioso.

Segundo Leonardo Boff, a laicidade não se confunde com o laicismo. Este configura uma atitude que visa erradicar as religiões da sociedade para dar espaço apenas a valores seculares e racionais.

Esse comportamento é religioso ao avesso e desrespeita tanto as religiões quanto as pessoas religiosas e, portanto, se mostra completamente incompatível com o sistema constitucional brasileiro.

Tampouco pode ser confundido com a adoção de uma perspectiva ateísta. O ateísmo, na sua negativa da existência de Deus, é também uma posição religiosa, que não pode ser privilegiada pelo Estado em detrimento de qualquer outra crença.

Em síntese, a laicidade eleva todas as crenças religiosas a um mesmo patamar de respeito e consideração.

Com base nesses argumentos, a Procuradoria Geral da República (PGR) ajuizou ação direta de inconstitucionalidade (ADI nº 4439) perante o Supremo Tribunal Federal (STF), na qual pede seja dada interpretação conforme a Constituição ao artigo 33, caput e parágrafos 1º e 2º, da LDB, para deixar claro que o ensino religioso em escolas públicas só pode ser de natureza não-confessional, com proibição de admissão de professores na qualidade de representantes das confissões religiosas.

Nesse contexto, o ensino religioso ministrado nas escolas públicas não pode ter caráter confessional, haja vista a necessidade de uma atuação estatal imparcial em matéria religiosa.

Ademais, a disciplina deve ser tratada como história das religiões e lecionada por professores leigos recrutados pela via do concurso público.

Nessa perspectiva, o conteúdo da disciplina consistiria apenas na exposição de doutrinas, das práticas, da história e de dimensões sociais das diferentes religiões e também das posições não religiosas ou ateias.

Aqui, cabe pontuar a impossibilidade de um ensino de caráter ecumênico, pois ainda que não seja voltado à promoção de uma confissão específica, é baseado nos valores religiosos partilhados pela maioria, com prejuízo das visões ateístas, agnósticas, ou de religiões com menor poder na esfera sócio-política.

Ainda que a maioria da população partilhe de determinados valores religiosos comuns, isso não se mostra suficiente para tornar o modelo de ensino ecumênico uma medida democrática.

A democracia, conforme leciona Daniel Sarmento, não se confunde com o simples governo das maiorias, pressupondo antes o respeito a uma série de direitos fundamentais que atuam para proteger as minorias e assegurar a possibilidade de continuidade da empreitada democrática ao longo do tempo.

O formato de ensino religioso defendido pela PGR na ADI nº 4439 está disseminado por todo o Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH 3), especialmente na parte em que trata das ações programáticas relativas ao objetivo estratégico VI, no qual é preconizado o respeito às diferentes crenças, liberdade de culto e garantia da laicidade do Estado.

No item d desse objetivo, consta como ação programática, a cargo do Ministério da Educação e da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, estabelecer o ensino da diversidade e história das religiões, inclusive as derivadas de matriz africana, na rede pública de ensino, com ênfase no reconhecimento das diferenças culturais, promoção da tolerância e na afirmação da laicidade do Estado.

Tal modelo de ensino religioso parece ser o único capaz de não implicar endosso a qualquer crença ou posição religiosa e, portanto, o único compatível com o modelo laico de Estado adotado pela Constituição.



THIAGO RABELO MAIA
Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Amazonas - UFAM, Advogado e Analista Municipal de Direito da Prefeitura de Manaus

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