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segunda-feira, 2 de maio de 2011

PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E INELEGIBILIDADE ANTES DO TRÂNSITO EM JULGADO DA CONDENAÇÃO

Mesmo antes de sua entrada em vigor, a Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar nº 135/2010) já suscitava uma série de controvérsias.

Entre tais questionamentos destacam-se, por sua relevância, os seguintes: a) a LC nº 135/2010 é aplicável às Eleições de 2010?; b) as novas causas de inelegibilidade trazidas pela LC nº 135/2010 podem ser aplicadas retroativamente e atingir fatos anteriores a sua vigência? e c) as inelegibilidades decorrentes de condenações proferidas por órgãos colegiados passíveis de recurso violam a presunção de inocência?

A questão da aplicabilidade foi recentemente dirimida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Recurso Extraordinário nº 633.703, no qual restou decidido, por maioria de 6 x 5, que a LC nº 135/2010 deveria respeitar o princípio da anualidade previsto no artigo 16 da Constituição e, portanto, não poderia ser aplicada às Eleições que ocorreram no ano de 2010.

A questão da retroatividade atualmente é objeto da Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 29, ajuizada pelo Partido Popular Socialista (PPS), que pretende ver reconhecida a aplicabilidade da LC nº 135/2010 para fatos anteriores a sua edição, sem causar prejuízo ao princípio da irretroatividade das leis e da segurança jurídica.

Todavia, a inelegibilidade oriunda de condenações passíveis de reforma não foi objeto de qualquer caso concreto julgado pelo STF após o advento da LC nº 135/2010.

As causas de inelegibilidade, por constituírem obstáculos ao direito de ser votado, estão intimamente relacionadas com a Democracia e a liberdade de escolha do eleitor, um dos pilares fundamentais desse regime.

Ademais, a amplitude conferida ao princípio da presunção de inocência, consagrado tanto na Constituição como nas Declarações Internacionais sobre Direitos Civis e Políticos, revela-se importante mecanismo de proteção dos direitos fundamentais dos cidadãos.

Contudo, a aplicação da presunção de inocência ao campo das inelegibilidades ainda é um tema que divide opiniões tanto nos tribunais quanto no meio acadêmico.

De um lado, perfilham-se os que consideram o princípio da presunção de inocência restrito ao Direito Penal e não caracterizam a inelegibilidade como uma forma de pena ou sanção jurídica.

Segundo esse ponto de vista, a declaração de inelegibilidade, por não constituir pena ou sanção jurídica, não atrairia a aplicação da presunção de inocência e prescindiria do trânsito em julgado da condenação que lhe deu origem.

Outro ponto bastante atacado é a amplitude dada à presunção de inocência no Brasil. Enquanto diversos países permitem o abrandamento dessa presunção após a primeira condenação, em nosso país isso só ocorre após esta se tornar definitiva.

Ressaltam que, em geral, a garantia da presunção de inocência assegura que somente por meio de um devido processo legal, em que seja demonstrada a culpabilidade do acusado, poderá o Estado aplicar-lhe sanção penal.

Após decisão de órgão judicial colegiado, no caso brasileiro, quase sempre em 2ª instância de julgamento, consideram razoável que a presunção seja atenuada, por não se tratar de prejulgamento ou antecipação de pena, mas de extração de conseqüências jurídicas da inversão do ônus da prova.

Tal restrição estaria amparada no artigo 14, §9º, da Constituição, ao permitir a criação por lei complementar de novas causas de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa e a moralidade para exercício de mandato considerada a vida pregressa do candidato.

No âmbito do Direito Internacional, o Pacto de São José da Costa Rica estatui no artigo 23.2 que a lei pode regular o exercício dos direitos e oportunidades, apenas por motivo de idade, nacionalidade, residência, idioma, instrução, capacidade civil ou mental, ou condenação, por juiz competente, em processo penal.

Dessa forma, conforme o Pacto de São José da Costa Rica, a condenação pendente de trânsito em julgado também poderia ser utilizada para restringir a elegibilidade do cidadão.

Por outro lado, há opiniões no sentido da aplicação da presunção de inocência aos demais ramos do Direito, inclusive em matéria político-eleitoral. Assim, decretar inelegibilidade a partir de condenação não definitiva ofenderia esse princípio e, por conseguinte, a Constituição.

Os principais argumentos nesse sentido são extraídos do voto proferido pelo ministro Celso de Mello no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 144, cuja ementa consignou a impossibilidade constitucional de definir como causa de inelegibilidade a existência de procedimentos judiciais pendentes de trânsito em julgado, a eficácia irradiante da presunção de inocência e a possibilidade de sua extensão ao processo eleitoral.

A suposta adequação da inelegibilidade oriunda de condenações passíveis de reforma ao comando do artigo 14, §9º, da Constituição, foi igualmente afastada ao fixar-se a impossibilidade de lei complementar, mesmo com apoio no §9º do artigo 14 da Constituição, transgredir a presunção constitucional de inocência.

Outrossim, em matéria de privação de direitos políticos, a própria Constituição já estabelece que, nos casos de condenação criminal (artigo 15, inciso III) e por improbidade administrativa (artigo 15, inciso V), a restrição somente poderá efetivar-se após o trânsito em julgado.

Tais argumentos foram reafirmados pelo ministro Celso de Mello ao deferir a medida cautelar prevista no artigo 26-C da LC nº 135/2010 ao deputado federal Natan Donadon (PMDB/RO).

Essas são, em síntese, as principais teses jurídicas a serem apreciadas pelo STF quando for analisar a constitucionalidade dos dispositivos da LC nº 135/2010 que estabelecem como causas de inelegibilidade as condenações proferidas por órgão judicial colegiado antes de transitarem em julgado.



THIAGO RABELO MAIA
Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Amazonas - UFAM, Advogado e Analista Municipal de Direito da Prefeitura de Manaus

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